Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
19 de Abril de 2024

Imigrantes haitianos e africanos são explorados em carvoarias e frigoríficos

Estudo recém-divulgado estima que, até o fim deste ano, haverá cerca de 50 mil de cidadãos do Haiti no Brasil

Publicado por A. K.
há 10 anos

Por Mariana Sanches

Imigrantes haitianos e africanos so explorados em carvoarias e frigorficos

CASCAVEL e MARINGÁ (PR) – O suor que escorre pelo rosto se junta à poeira negra do carvão e tinge a face e os braços de Ivon Belisarie. A fuligem avermelha seus olhos. Desde que chegou ao Brasil, há dois anos e meio, de segunda a sábado, das 8h às 17h, o imigrante haitiano corta madeira, abastece fornos que produzem carvão vegetal e ensaca o produto que será enviado a centros urbanos do país, numa carvoaria em Maringá (PR). Ele não se senta um minuto. Emagreceu tanto que está abaixo do peso.

No terremoto de 2010, além de nove parentes, Ivon perdeu o patrão, um empresário haitiano do ramo de arroz para quem trabalhava como motorista havia 15 anos. Percebeu então que a permanência no Haiti ficara inviável. Trocou o conforto do ar-condicionado de veículos esportivos pelo calor, a poeira negra e a insalubridade da carvoaria. E a companhia ruidosa dos filhos pela solidão de sequer ter dinheiro para telefonar para casa.

Dos dez haitianos que vieram com Ivon de Manaus para o Paraná, atraídos pela possibilidade de reconstruir a vida, ele é o único que continua na carvoaria. Em troca, recebe cerca de R$ 950.

— Deixei a mulher chorando, com um bebê no colo e mais duas crianças pelas mãos, e vim buscar dinheiro no Brasil. Tenho responsabilidade com a minha família, não podia ficar sem trabalho — conta o haitiano, que chegou a racionar comida para enviar cerca de US$ 300 aos parentes no Haiti.

Desrespeito a normas do trabalho

A 230 quilômetros da carvoaria, num frigorífico em Cascavel (PR), 380 migrantes haitianos fazem, cada um, cerca de 90 movimentos por minuto para desossar frangos e pendurar galinhas. Por um salário mensal de cerca de R$ 1 mil, suportam a rotina de oito horas e 48 minutos diários sob um frio de nove graus, temperatura abaixo do limite de 12 graus estabelecido pelo Ministério do Trabalho.

Trabalho degradante, insalubre e de baixa remuneração em empresas de setores que, frenquentemente, figuram na lista suja do trabalho escravo têm sido o destino final de haitianos e africanos que enfrentam uma travessia dispendiosa e arriscada, muitas vezes patrocinadas por coiotes, para chegar ao Brasil. E não são poucos. Um estudo recém-divulgado pelo demógrafo Duval Fernandes, da PUC-MG, estima que, até o fim deste ano, haverá cerca de 50 mil haitianos no país. Junto a senegaleses, nigerianos e bengaleses, eles têm se engajado em funções que não requerem qualquer nível educacional, e recusadas por brasileiros.

— O trabalho em frigorífico é extremamente penoso. Em três meses, o trabalhador já começa a adoecer porque não há ser humano que suporte tanto movimento repetitivo em temperatura tão baixa. Esse trabalho não interessa mais aos brasileiros. Há uma analogia entre a situação desses migrantes aqui e a dos hispânicos que lotam frigoríficos nos Estados Unidos. Só que aqui a exploração é maior — afirma o procurador do trabalho Heiler Natali, responsável pela vistoria dos frigoríficos.

Imigrantes haitianos e africanos so explorados em carvoarias e frigorficos

Estrangeiros trabalhando no corte de frango na Coopavel, frigorifico da região que contratou 380 haitianos para auxiliar de produção. – Fernando Donasci

A história que os imigrantes contam é de promessas não cumpridas sobre salários e alojamentos.

— A coisa mais usual é que ele achem que vão ganhar US$ 2 mil por mês. São enganados e também não entendem a lógica dos impostos sobre o salário — afirma Fernandes.

O haitiano Marcelin Geffrard diz ter sido enganado por um supermercado que o levou do Acre a Cascavel:

— Me prometeram quase R$ 900. Quando cheguei ao Paraná, o salário era menor. Com os descontos, dava só R$ 600. Isso não dava para comida e aluguel, e ainda tinha que mandar dinheiro para a minha filha, no Haiti. O alojamento era sujo, camas quebraram, e a gente tinha que dormir no chão.

Em dois meses, dez quilos mais magro

Em dois anos, Geffrard, pedagogo, com curso de arquiteto inacabado e domínio de cinco idiomas, mudou de emprego cinco vezes. Hoje, trabalha como cobrador de ônibus. Aos fins de semana, faz bicos em uma pizzaria para complementar a renda. Afirma que, apesar da longa jornada de trabalho, está muito melhor hoje do que em outras ocupações:

— O pior lugar em que trabalhei foi o frigorífico. Ali aguentei só 45 dias. Fazia horas extras, mas nunca recebi por elas. Em menos de dois meses, perdi dez quilos. Muitos colegas ficaram doentes, mas os frigoríficos não aceitam atestado e descontam o dia, se você vai ao médico. Então, os haitianos preferem cair no chão doentes no meio da fábrica a ir a um hospital.

A reclamação não é isolada. No começo do ano, haitianos participaram de uma greve em um frigorífico de Maringá. Exigiam aumento, pagamento de horas extras e fim da jornada aos sábados. Suas reivindicações acabaram atendidas pelo empresário, diante da ameaça de pedidos de demissão em massa. Haitianos e africanos se tornaram hoje peças fundamentais para a produção avícola do país.

— Sem eles, eu estaria com 20% da indústria parada — afirma Aguinel Marcondes, gerente de recursos humanos da Coopavel, indústria que produz 195 mil frangos por dia e cujo faturamento em 2013 foi de R$ 1,6 bilhão.

Marcondes prossegue:

— Hoje a oferta de trabalho está grande, e não há mão de obra para suprir as necessidades dos empresários. O próprio governo sentiu isso e abriu as portas para esses imigrantes. Sem eles, o país não cresceria o que deveria.

Haitiano custa menos do que chinês

A dificuldade para preencher vagas nessas indústrias com brasileiros não é a única vantagem na contratação de quem chega de fora. Os empresários têm enxergado neles, sobretudo nos haitianos, uma oportunidade para reduzir seu custo de produção. Uma pesquisa feita pelo economista britânico Paul Collier, para a Organização das Nações Unidas (ONU), mostrou que, em 2009, o Haiti tinha um grande excedente de mão de obra qualificada. Segundo o estudo, o trabalhador haitiano custava mais barato do que o chinês. Após o terremoto que atingiu o país, em 2010, o excedente de mão de obra aumentou. E esses trabalhadores começaram a desembarcar no Brasil.

Além de frigoríficos e carvoarias, eles começaram a ser empregados em massa na construção civil. A situação chamou a atenção do Ministério Público do Trabalho do Paraná, que investiga denúncias dos sindicatos locais de que empreiteiras têm sido constituídas apenas para contratar esses imigrantes. Elas preenchem as folhas da carteira de trabalho, mas jamais registram o trabalhador efetivamente.

Haitianos e africanos descobrem a fraude meses depois, quando o contrato termina, e eles não têm direito à rescisão e ao seguro-desemprego, ou quando sofrem acidentes e não contam com cobertura do INSS. Eles também receberiam menos do que o piso da categoria e cumpririam jornadas de trabalho superiores ao limite estabelecido pela legislação.

Foi o que aconteceu em Conceição do Mato Dentro (MG), onde cem haitianos trabalhavam na construção de um mineroduto da empresa Anglo American. O fiscal do trabalho que atuou no caso relatou que o alojamento deles lembrava uma senzala. A comida fornecida era de baixa qualidade, o que teria provocado hemorragias estomacais.

Para tentar se defender, em Cascavel, onde há pelo menos 1,5 mil haitianos, eles criaram há dois meses a Associação de Defesa dos Direitos dos Imigrantes Haitianos. A entidade já ganhou uma ação contra um frigorífico que demitiu uma haitiana grávida e obteve acordo com uma empreiteira que não havia pago verbas rescisórias.


Fonte: http://www.geledes.org.br/imigrantes-haitianoseafricanos-são-explorados-em-carvoariasefrigorificos/

  • Sobre o autorEstudante
  • Publicações70
  • Seguidores0
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações858
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/imigrantes-haitianos-e-africanos-sao-explorados-em-carvoarias-e-frigorificos/134258061

18 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

O Haitiano é um cidadão educado, inteligente e de uma cortesia invejável. Em Curitiba são procurados para atender em restaurantes de alto padrão, devido ao serviço impecável. São muito amigáveis e merecem todo o respeito. São na sua maioria legitimamente negros, o que realça e destaca no meio da multidão étnica curitibana, entre polacos, galegos, alemães, chineses, japoneses e demais etnias. O brasileiro deve ter vergonha de como se comporta com quem vem de fora. Fomos assim com qualquer imigração, deixando as pessoas desamparadas como se fossem um sub-humano, aí vem o turismo mandando a mensagem lá pra fora que somos hospitaleiros... Bem, se gerarem só lucros, estrangeiros são bem-vindos, pois se não o forem, primeiro serão explorados pelos empregadores, depois hostilizados por quem "perdeu a vaga" para eles. Eu repudio nosso comportamento com estrangeiros. Somos merecedores de retaliações históricas, verdadeiros marcos que devem deixar marcas profundas pelo nosso modo de receber quem vem para sonhar reconstruir a vida que um desastre levou embora. Tem meu total apoio qualquer ato de levante legal desses estrangeiros dentro de nosso território. Temos que desmascarar cada atitude de abuso, para aprendermos que o cidadão estrangeiro e o brasileiro tem os mesmos direitos e deveres comuns na cadeia produtiva. continuar lendo

Rafael, concordo com cada palavra sua.
Que tristeza para o Brasil. Até quando estaremos lendo notícias deste tipo?
Até quando terei vergonha de ser brasileira? Como acreditar no que vemos na TV por trás destes sorridos hipócritas de tantos políticos?
Se não bastasse tanta corrupção, falcatruas, mentiras, jogos de interesse, tem ainda a exploração de um povo sofrido pelos abalos de terremotos...só quem viu de perto, ou acompanhou essa gente sabe o sofrimento.
Sabe o que é fazer biscoito de barro misturado com açúcar para oferecer aos filhos? Sabe o que é não ter nada, nem onde dormir, nem onde beber ou comer?
Quanta indignação sinto ao ler uma matéria vergonhosa desta.
Que Deus tenha misericórdia de tanta ganância, covardia e falta de compaixão. continuar lendo

Um erro não justifica o outro. No Brasil é assim, mas não se engane, nos EUA, na Europa, no Japão, na China, no México e em tantos outros lugares são assim também, ou piores.

Posso dizer com propriedade que os americanos são extremamente racistas e segregadores, e é generalizado mesmo, não há exceções nem mesmo entre os imigrantes ilegais...

Mais uma coisa. Estrangeiros que estão em nosso País devem ser legalizados para trabalhar aqui, caso contrário, estrangeiro e empregador devem ser punidos, pois esta é a lei, que serve para proteger o cidadão e seus interesses, pois este é quem paga impostos (estrangeiro não paga imposto se estiver informal). continuar lendo

O governo brasileiro é uma lástima mesmo, deveria deportar imediatemente todos eles, já basta os problemas que temos aqui. A cada dia fica pior. continuar lendo

Parabéns pela sua explanação Rafael. Concordo em número e grau. continuar lendo

É um absurdo o que fazem com os haitianos e demais estrangeiros que vem morar aqui...eles merecem todo nosso respeito!!!!!!!!!! concordo com o colega Rafael de Souza, são pessoas cultas e educadas, conheci um que veio em minha cidade para pregar em igreja evangélica, como era culto, falava várias línguas, sendo humilde, dá até vergonha nessa hora, ele disse que fica indignado quando a tv brasileira só mostra coisa ruim dos negros e da África...disse que lá também tem muita coisa boa para ser mostrada. continuar lendo

Desprezível,vergonhoso,arbitrário e repulsivo esta situação sofrida não somente pelos haitianos mas também pelos trabalhadores brasileiros que se submetem ao trabalho degradante praticado por estas empresas facínoras, onde o terror predomina o desrespeito ao trabalhador é pre-requisito, enfim o verdadeiro capital selvagem. continuar lendo

Eu sou totalmente contra este absurdo de deixar entrar esta quantidade de gente, sustentar, dar documentos saúde estadia e emprego enquanto existe milhões de brasileiros sem empregos e pelo que ouvi até titulo de eleitor estão dando para eles.
Se os Brasileiros invadissem qualquer pais com certeza seriam presos e despachados ao Brasil sem nada além de pasar por um monte d constrangimento por conta de alguns brasileiros que só sabem roubar e explorar a sexualidade das mulheres.
Sou apoaentada e esse tipo de coisa me revolta profundamente, eles estão dando reajustes indevidos pois paguei por todo o tempo pelo salário mínimo e o fator previdenciário foi criado com o Plano Real, então não é justo tirar do meu para dar para um estranho que se o inverso fosse não teriamos nem metade do que eles estão tendo.
Assim que vi a entrada em tonelada de Cubanos e deposi Haitianos, logo imaginei que eles iriam serr explorados como escravos.Tem de deportar todos eles, não tem emprego para nós então não justifica dar um jeitinho para eles. E o título de eleitor ser[a que eles vão ajudar Dna,. Dilma se reeleger ? continuar lendo